segunda-feira, 14 de março de 2011

Será? (história - final)



As chamas no carro de alguma forma reconfortavam minha alma. Talvez seja um pensamento duro. Mas pela primeira vez senti que agora a justiça estava sendo feita. Mesmo que não diretamente por mim. 

Com a caixa em minhas mãos eu já sabia qual seria o meu destino, a empresa Gênesis. Mas antes deveria abri-la. Saber porque Henrique e seus pais morreram, porque Paulo César faleceu. E principalmente, porque tiraram a vida de Karen.

Entrei no meu carro. Pus a caixa de madeira no meu colo. Senti medo de abri-la. De saber a verdade. Mas a confissão do passado era maior que minha angústia. Abri. 

Ali estava um gravador com marcas de sangue e junto dele a foto de minha irmã, Mirela e dois outros rapazes. Cada uma focado apenas em seus rostos. Peguei o gravador preto e apertei play.

"Espero não ser identificado nesta conversa." - era a voz de Paulo César.
"Não. O senhor não será." - disse uma voz feminina.
"Vamos rápido. O que querem saber?" - perguntou o enfermeiro impaciente.
"Foi você quem estuprou a menina que está em coma na hospital?" - perguntou Karen.

 Ouve-se risadas cínicas.

"Vocês acreditam mesmo nisso? Que eu estuprei aquela menina?"

Ouve-se um tapa na cabeça do enfermeiro.

"Responda em vez de fazer perguntas." - uma voz masculina.

Silêncio por alguns segundos.

"É o seguinte. Me acusaram de estupro só porque eu ajudava a cuidar dela e porque a menina apareceu grávida. Mas se querem saber. Ela não tinha nenhum sinal de abuso. E sinceramente, seu eu realmente tivesse feito algo àquela coitada a família já teria me procurado. Não é mesmo?"

Silêncio

"E por que nosso amigo Marcelo, o jornalista que te procurou, foi assassinado logo depois de falar com você? - perguntou Karen.

Paulo César gaguejou e foi preciso um outro tapa na sua cabeça. 

"Responda!". - de novo a voz masculina.
"Aquele jornalista estava mexendo o dedo onde não era chamado. Nós já tínhamos tudo combinado e planejado. Ninguém estava desconfiando de nada. Mas só foi este jornalista de merda chegar. Que ferrou tudo."
"Nós?" - perguntou a voz feminina. Agora eu consegui identificar, era de Mirela. - "Quem são nós? E o que vocês quis dizer com "ferrou tudo"?"

Silêncio acompanhado de um tapa.

"Estou perdendo a paciência com este cara." - era a voz masculina.
"Para Pedro!" - voz de Karen - "Deixa ele falar."
"Já está tudo ferrado mesmo. Mas saibam que todos vamos morrer. - disse Paulo César. - "A empresa do seu querido irmão estava fazendo pesquisa com células tronco..."
"A empresa dele sempre fez isso." - falou Karen.
"É mas o problema é que eles estavam "criando fetos", se é que vocês me entendem?"

Silêncio. Uma rangido no chão como se uma cadeira estivesse sendo arrastada.

"Está me dizendo que a empresa Gênesis está engravidando mulheres em coma para ter células tronco embrionárias?" - a voz de Pedro.
"Até que vocês são inteligentes." - riu o enfermeiro.
"Desliga isso" . - a voz da minha irmã. - "Desliga agora".


Coloquei o gravador de volta na caixa. Meu pensamento tentava focar em um único raciocínio. Minha irmã e sua morte. Minha empresa e a ética. Paulo César e a mulher em coma. Embriões. Células tronco. E tudo dentro da Gênesis sem que eu soubesse de nada. Eu não poderia perder mais tempo nem mais vidas. 

Acelerei o carro da polícia na direção do meu destino. E no caminho lembranças me incomodavam. A morte da minha mãe quando eu e Karen ainda éramos pequenos. A ausência de nosso pai. A minha responsabilidade pelo patrimônio. O abandono que deixei minha irmã. Os seus pedidos de ajuda e meus ouvido cerrados. As mortes. E tudo pelo dinheiro. Pela imagem. Pela Gênesis.

Parei o carro no estacionamento e na janela do meu escritório, no vigésimo andar, pude ver a imagem meio distorcida de uma pessoa. A única pessoa que poderia me dar explicações. 

Os seguranças ficaram surpresos com a minha visita, mas nenhum impediu a minha entrada. Entrei no elevador. E de novo aqueles pensamentos voltaram a me atormentar. Mas foram interrompidos quando o elevador parou e o visor indicou o 20º andar.

Ali estava um homem de costas. Alto, loiro, moreno claro, de terno escuro e gravata vermelha. Meu sócio. Aurélio.

- Sabia que você viria aqui quando descobrisse tudo que aconteceu. - ele se adiantou.
- Você sempre soube. Seu filho da mãe.  - eu gritava. - Engravidou uma pessoa em coma, matou pessoas inocentes e o pior de tudo tirou a pessoa mais importante da minha vida. E tudo isso pelo o quê?
- Pelo futuro.
- Futuro? Isto é anti-ético.
- Tem certeza? - seu tom de voz ganhou algo similar com esperança. - Filha. Vem aqui conhecer um amigo do papai.

Na porta a sua esquerda saiu uma menininha de dois anos. Cabelo preto na altura do ombro. Usando um vestido rosa e segurando uma boneca.

- Karen. Dê "oi" ao amigo do papai.

Karen? Sim. Aquela era Karen. Minha irmãzinha pequenininha. Eu me lembrava dela. Tímida. Calada.

- Entende porque é o futuro. - disse ele com as mãos no ombro da criança. - Achava mesmo que eu mandei engravidar aquela menina do hospital apenas por células tronco? Lógico que não. - disse ele agora em um tom mais sério, mas sem assustar Karen. - Claro que eu precisava de células tronco embrionárias. Elas ajudaram a construir este ser. - colocou uma das mãos na cabeça da criança.

Eu estava perdendo o ar. Não consegui ligar uma coisa na outra.

- Sabe qual a única desvantagem desta técnica?  - disse ele parecendo triste. - É que são preciso duas vidas para se fazer uma. Algo que é comum na natureza humana. Mas não com tamanha perfeição. - abaixou-se a beijou o rosto de Karen. - Um clone perfeito. 
- Você é louco. - disse.
- Loucura? Você acha mesmo que seja loucura? - disse ele pedindo com o olhar que a "filha" se retirasse. - Loucura é ver irmãos se matando. Filho drogado assassinar pai e mãe. Loucura é você abandonar este império pela tola da sua irmã.
- Não ouse. - gritei.
- Eu te fiz um favor. Isso sim. - disse ele me apontando o dedo. - Tirei aquele peso que sua irmã era e ainda promovi este lugar. Karen estava se intrometendo onde não era chamada. Eu apenas juntei o útil ao agradável.

Eu não podia mais ouvir aquilo. Coloquei a mão atrás da cintura para pegar o objeto que faria minha justiça. Mas antes, porém, senti algo frio me tomando. E uma dor no abdômen promoveu um calor incontrolável. Aurélio me acertou com um tiro de pistola. Minha visão ia ficando turva e escura. Meu corpo ia se encharcando do meu sangue. Eu estava morrendo.

Ouvi a porta se abrindo. Mas não conseguia identificar quem era. Ouvia vozes como ruídos. Sem expressões. Meu corpo foi erguido por uma mão. E vi o rosto de um dos jovens que tinham a foto na caixa de madeira. Era Pedro. Apaguei.

***

Seis meses depois...

Estou na casa da minha irmã. Vendo-a brincar. Se é assim que posso dizer de seu clone. Aurélio pegou prisão perpétua e nenhum advogado pretende trabalhar no seu caso. Voltei a trabalhar na Gênesis, mas dedico a maior parte das pesquisas para causas sociais.

No dia do incidente, Pedro, colega de minha irmã, apareceu com policiais. Só depois de algum tempo é que vim a saber que ele era na verdade um agente federal disfarçado de jornalista. No dia em que encontrei com Paulo César ele havia me seguido. Disse-me que desconfiava da minha participação nas mortes. Mas que tinha que ter certeza. Ninguém, além de eu e Pedro, sabemos que a pequena Karen é um clone.

Sempre que olho Karen me pego fazendo perguntas sobre ela. Será que minha irmã realmente morreu? Ou será que ela esta viva? Será realmente ela?

E,às vezes, no meio da noite acordo assustado. Me perguntando: será possível renascer uma vida?




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